Carta aberta ao Sr. Luciano Hang (codinome "Véio da Havan")

====== INÍCIO DA CARTA ABERTA ======

Prezado Sr. Hang:

Não o conheço direito, como também jamais ouvi falar de sua pessoa e de suas empresas de forma aprofundada. Mas, através desta carta, quero manifestar minha sincera opinião sobre o que andam dizendo por aí nas redes sociais (fake news ou não) sobre a cogitação de sua parte em tentar trazer de volta ao ar a Rede Manchete de Televisão.

Antes de mais nada, este que te escreve é talvez o maior apaixonado por televisão no Brasil e  que, por causa de um mercado fraco e sem oportunidades para autistas de auto funcionalidade (Síndrome de Asperger), grupo ao qual eu me enquadro, não encontro oportunidade alguma no ramo que eu sempre amei de paixão. Por causa desse amor, me formei em Rádio e TV há mais de uma década e mantenho no ar meu canal no YouTube segmentado em resgate da memória da TV e um blog com grades antigas de programação e opiniões correlatas ao segmento.

Pois bem, só neste ano de 2021, o segundo ano de uma pandemia que continua assustando e tomando conta de uma nação sociopata como o Brasil, é que finalmente ouvi falar da Havan nos intervalos antigos que posto no meu canal (e quando passei de carro na Marginal Pinheiros após ir ao aniversário dos filhos de uma prima minha no Alphaville). Tinha até pouco tempo atrás um canal, chamado Videocassete Antigo, no qual o dono, que mora em Santa Catarina (seu reduto), teve a loucura de postar toda sua videoteca em posts com mais de 6 horas de duração e pouco tempo depois levou strike por violação de direitos autorais, fazendo com que o canal saísse do ar. Por sorte, baixei os vídeos que aos poucos estão sendo devidamente "fatiados".

Recentemente, soube que você teria arrematado todo o arquivo de fitas da Rede Manchete num leilão muito pouco divulgado pela internet, mas que fez a festa de um pequenino grupo de pessoas viciadas em comunidades sociais no qual costumo denominá-lo de "nerdolândia". E que, estimulado com tal conquista, estaria você formando uma sociedade para "ressuscitar" a emissora, agora na TV por assinatura.

Então, Sr. Hang, existia um bordão criado por um célebre personagem de Renato Aragão que pode perfeitamente sintetizar esse apetite de ter o olho maior que o estômago e que pode, consequentemente, quebrar a sua "Casa Branca Brasileira", por mais que ela seja uma das maiores empresas deste país: o véio dançou. Muito cuidado, porque esse bordão pode virar meme e atingi-lo em cheio caso cometa a loucura de fazer a Rede Manchete voltar ao ar. É um "esquema suicida" ter o olho maior que o estômago, que daria a entender que a Havan está pedindo pra falir.

Se não acredita em mim, basta levar em conta o passivo que o senhor terá de herdar caso relance a Manchete. Em grande parte, é uma dívida trabalhista que não para de crescer (juros sobre juros e correção anual) e que aos poucos vai se aproximando da casa de R$ 2,5 bilhões. Sinceramente, nenhum ex-funcionário aceitaria a possibilidade de pechinchar essa bola de neve (vide os herdeiros de ex-funcionários da antiga TV Tupi, que até hoje não viram a cor do dinheiro que Silvio Santos prometeu pagar a eles). A Justiça está do lado deles e vão lutar para receber centavo por centavo daquilo que eles deixaram de ganhar nesse tempo todo.

Seria mais viável, se é que o senhor sonha em entrar no mundo das telecomunicações, comprar a Central Nacional de Televisão (CNT) e algumas retransmissoras sem utilidade aqui e ali, sem deixar de fazer contatos às emissoras independentes do norte, nordeste e sul do país (que, revoltadas com a situação atual das grandes redes, se desafiliaram por conta própria) e aproveitar pra montar uma rede de televisão novinha em folha. Esta década que está apenas começando vai presenciar fortes mudanças no panorama televisivo brasileiro jamais acontecidas em 40 anos.

Acredito que foi um ato de coragem de sua parte fazer com que a Havan não mais anuncie em emissora alguma. O negacionismo predominante em tempos de pandemia virou tendência crônica nos meios de comunicação, muitos deles transparecem um messianismo fanático que vai de um "animador de auditório", um líder religioso e até o Presidente da República (ao qual o senhor apoia), atingindo em cheio o público fiel que prefere esse tipo de programação. Taí um indício do porquê o Brasil ser uma nação "orgulhosamente" atrasada.

Duas grandes redes, Globo e SBT, rivais de antigamente, correm o grande risco de morrerem abraçadas a médio prazo: uma pelo fim do culto deliberado à personalidade de seu proprietário em caso de iminente falecimento do mesmo; a outra, que está passando por um processo falimentar gradual, que sofre desde os tempos do PT uma retaliação do Governo Federal na mais clara intenção de que se resolva uma "birra pessoal" e, por tabela, cumprir uma promessa de campanha.

A única emissora que lucra com tudo isso é a RecordTV, ou melhor, a IURD TV. Escorada num esquema sujo e ilícito que se infiltrou na nossa política, disseminando a intolerância religiosa no Brasil igualzinho ao que o Talibã fez no Afeganistão após retomar o poder, vai conseguindo, aliada a uma legislação fraca, chegar ao topo da montanha para jamais sair dela. A sede de "quebrar o monopólio" e criar um novo está sendo morta aos poucos. Usando da falta de discernimento das classes desfavorecidas em locais onde sinais de TV são mais penetrantes que sinais de internet, o sensacionalismo e apelo visual que exibem 24 horas por dia e sem intervalos comerciais, virou tendência até pra concorrência para se obter resultados imediatos na busca incessante pelo maior IBOPE.

Esse é o X da questão: a direção comercial do Grupo Record, a mando e desmando dos Macedo, está tirando o poder de decisão dos diretores de conteúdo. Só a Interpol é capaz de desbaratinar essa quadrilha disfarçada de igreja, do mesmo jeito que o FBI conseguiu pegar aqueles gângsteres que estavam infiltrados na FIFA em 2015. O Grupo Record, que encabeça o triunvirato de nome SIMBA Content, com certeza vai também descolar 50% das ações de suas "coirmãs" para tomar conta da televisão brasileira, caso o dono de uma delas faça a passagem e faça seu gado (não necessariamente de sua emissora, mas também da outra integrante, a RedeTV, que sempre o bajulou em seus programas) ficar incapaz de continuar a prosseguir fazendo TV.

Em vista disso, eu sugiro que, caso o senhor entre de cabeça no mundo audiovisual, ao invés de trazer de volta uma saudosa emissora e ter sérios problemas jurídicos, permita com que uma nova rede aberta de televisão entre no ar no pós-pandemia, assim que a poeira baixar. O que tem de TV oxigênio escorada na muleta financeira das teleigrejas não dá pra contar nem nos dedos dos pés. Eu até me ofereço a embarcar neste novo projeto de televisão. E o senhor, a esta altura, deve estar perguntando: como é possível criar uma nova emissora de TV nesse panorama vergonhoso? É simples, fácil e prático: comprando geradoras e retransmissoras aparentemente sem utilidade, mas de vital importância para essa nova TV que estou propondo.

Concordo e acho muito errado um mesmo grupo de comunicação possuir duas concessões de TV numa mesma frequência (seja VHF ou UHF, digital ou analógico) e simplesmente por falta de interesse e vergonha na cara não exploram o universo das webTVs com medo de perder dinheiro e audiência, tamanha ganância que se nota para monopolizar um meio de comunicação tão vulnerável que é a televisão.

O Grupo Record está esbanjando como também desperdiçando dinheiro à toa sustentando dois canais UHF ao mesmo mesmo: a Rede Família (que eu considero mais "viável") e Record News (a mais cara por se tratar de um canal de notícias 24 horas). Isso tira espaço dos grupos do bem que jamais dependerão de dinheiro de igreja neopentecostal para se sustentar. Vejamos: a Rede Família tem retransmissoras em Águas de São Pedro, Campinas, Itapira, Piracicaba, Ribeirão Preto e Florianópolis. A Record News tem as suas em Peruíbe, Ubatuba, São Sebastião e Blumenau, além de uma emissora própria também em Florianópolis, controlada pela IURD, mas administrada pelo Grupo ND, afiliado da Record em Santa Catarina.

Quanto às outras "TVs oxigênio": o Canal 21 do Grupo Bandeirantes, que assim como a já citada CNT entregou 22 horas (ou 90% de sua grade) às Mundiais e Universais da vida, contém retransmissoras em Cubatão, Mongaguá, Praia Grande, Santos, São Vicente e Ribeirão Preto. A própria CNT possui uma retransmissora em Campo Grande, mas tem geradoras importantes em Curitiba, Londrina e Rio de Janeiro, sem contar um prédio gerador em Americana (situada na região de Campinas) e um outro de tamanho menor colocado à venda em São Paulo desde 2018 na Alameda Santos (que poderia perfeitamente centralizar o jornalismo de interesse local para não contaminar o conteúdo nacional, no qual não sei se já foi vendida). Por fim, a RedeTV tem uma retransmissora em Goiânia, mas tem geradoras que fazem o papel de meras repetidoras do sinal da rede em Belo Horizonte, Fortaleza e Recife, sem produzir programação local de fato e tampouco emitir comerciais de interesse local.

Três redes, uma no Norte, uma no Nordeste e outra no Centro-Oeste que se tornaram independentes podem perfeitamente entrar neste projeto: a TV A Crítica do Amazonas (que está fazendo o caminho que o senhor pode fazer se seguir as recomendações que lhe dei até aqui), a Rede Meio Norte do Piauí e Rede Cidade Verde do Mato Grosso, que tencionava voltar a se afiliar à Band devido a crise na qual se encontrou após um ano e meio de independência. Sem esquecer de outras duas, atualmente afiliadas à RedeTV, mas que se encontram em estado deplorável em termos de qualidade da programação e que merecem uma situação melhor e estar neste projeto de expansão: a TV Brasília e as quatro emissoras da Rede Pampa, do Rio Grande do Sul.

Existem outras duas TVs no Nordeste aparentemente paradas, mas que merecem se afiliar a gente se traçarmos um plano de expansão nacional: a TV Aracaju, emissora local paga que jamais teve uma concessão de TV aberta, tinha um bom jornalismo local, era afiliada à Rede TV e até transmitiu para todo o Brasil o Pré-Caju, a mais conhecida micareta pré-carnavalesca do país, e a TV Pernambuco, que possui uma geradora em Caruaru, foi afiliada da RecordTV, da Band, do SBT e da CNT, retransmite atualmente a TV Cultura e TV Brasil (embora a TV Universitária seja a afiliada oficial) e precisa urgentemente de uma retransmissora de maior potência no Recife, o canal 7, atualmente ocupado pela semifalida Loading. Com o tempo, propostas não vão faltar para quem quer ser afiliado ou para quem deseja se afiliar.

Não podemos esquecer daqueles consolidados grupos de comunicação em certos estados nos quais, apesar de contar com importantes jornais e emissoras de rádio, não possuem um canal de TV, talvez desanimadas pelas incessantes tentativas malsucedidas de pleitearem uma concessão ao Ministério das Comunicações, ocupado hoje por Fábio Faria, genro de Silvio Santos. Bahia e Pará são alguns exemplos.

E onde seria a cabeça-de-rede? Em São Paulo, o centro nervoso da televisão brasileira, e o complexo ideal para abrigar toda a central de produções de programas seria o "paralisado" Estúdios GGP, da família do saudoso apresentador Gugu Liberato, que também sonhava ter sua própria rede de televisão, mas se acomodou à guerra de audiência que foi o grande erro de sua vida. Já o sinal na capital paulista precisamos esperar um pouco para, na hora certa, adquirir o canal 9, pertencente hoje à RedeTV, que vem causando muitos problemas em termos de bastidores, até porque não existe rede de TV sem alcance de sinal aberto justamente em São Paulo. Isso é só o começo.

Por isso, atenda este meu sincero pedido: reconsidere essa decisão fora da realidade de trazer a Manchete de volta ao ar e embarque nesse sonho de poder lançar uma emissora de TV totalmente nova iniciada do zero. Encerro esta carta com a seguinte frase: Pro véio não dançar, uma nova TV há de inaugurar.

Atenciosamente, Êgon Bonfim.

======= FIM DA CARTA ABERTA ======

Luciano, bem como meu amigo Êgon, que lhe escreveu esta carta aberta, concordo que é preciso criar uma nova rede de televisão, não reinventar uma que já teve seu tempo. Antes, porém, espero um posicionamento seu pra voltar a tocar no assunto:

• Se for apenas fake news e você não quiser ser dono de uma rede de televisão, desconsidere essa carta;
• Se for fake news, mas você realmente quiser embarcar nessa aventura, considere essa carta;
• Se não for fake news e você realmente comprou o acervo da TV Manchete e quer embarcar na sandice de recolocá-la no ar, esqueça essa ideia e considere essa carta.

Precisamos de respostas, Luciano. Respostas que só Deus e você poderão nos dar em breve.